Outro dia estava observando as estrelas. Elas brilham
bastante, devem ser quentinhas, e tem jeito consolador também. E me fiz uma
pergunta: Elas ficam paradinhas lá longe no céu? Será? Porque tem dias que eu
as vejo em um lugar diferente, juro a vocês, elas não estavam no mesmo lugar de
ontem. Ora, tolo aquele que diz que dá para se orientar por elas, sabia? Elas é que
devem orientar-se por nós, pois, onde estivermos, elas vão atrás. No fim, somos
iluminados por todas elas.
Então me veio: se elas vão aonde estamos, isso significa
que... Se mexem! Olhem só, elas se movem no céu. E isso é verdade? Vocês vão me
perguntar e eu responderei, sim, é verdade; e vocês vão indagar, isso é bom, e
eu direi, ora, mas é claro, isso é maravilhoso para todos nós; e teimosos ainda
questionarão, mas é mesmo possível que elas nos façam isso, e eu respondo, não
só é possível como é também de uma necessidade muito grande para todos nós.
As estrelas – cada uma a seu jeitinho – zelam por nós nos
seguindo e nos seguindo porque somos nós que as iluminamos. Ora, se não fosse
por nós, elas não teriam brilho. Os animais, olham lá para cima e nada
encontram porque não dizem nada, se encontrassem, nos diriam. É sim, essa é a
razão para que eles não falem absolutamente nada. Seus bramidos são um pedido
surdo para que as estrelas os ouçam, e, vai ver elas o fazem cada uma à sua
maneira. Mas as estrelas estão lá em cima mesmo para a mulher e para o homem. Principalmente,
aquelas que andam muito rápido no céu.
Outro dia vi uma dessas. Foi uma sorte muito bonita,
sabem? Ela viajava deixando tantas e tantas estrelinhas mais no céu que só o
que quis foi pegar um pouquinho daquele pozinho de brilho celeste só para mim.
Isso seria um egoísmo e, com grande efeito, não sou egoísta, então acometeu-me
uma lembrança de mim, quando ainda muito garoto, fazendo pedido para uma dessas
estrelinhas de cada felpuda e brilhante. Pedi a ela: dê-me uma pena e
pergaminhos para fazer minhas histórias! Ela, tão singela no firmamento, no
outro dia, não me atendeu. Chutei meus problemas todos na forma de um balde de
água que escorreu todo pelo quintal. Minha querida avó que, hoje está junto às
estrelas, virou para mim e me disse sabendo de meu pedido: calma que tudo se
ajeita. Dei então conta de pensar nessa palavrinha estranha: ajeitar.
Entretanto, é preciso deixar claro igualzinho cristal, que
o entendimento dessa palavrinha não me foi rápido não. Precisou acontecer muito
comigo para que eu compreendesse que nem tudo o que eu queria a estrela poderia
me dar. Passado algum tempo de muito pensar sem em nada poder escrever meus
pensamentos, juntei pedrinhas, de um lago próximo à minha casa e comecei a
usá-las de maneiras diferentes, formando assim com elas, códigos, que me
mostravam aquilo que eu gostaria de escrever. Na minha vila, escrever e ler,
eram duas atividades muito bem quistas, não obstante serem também dificílimas.
Para conseguir ler e escrever foram preciso apenas os meus pais e minha avó
para me ensinarem, mesmo sem papel porque ainda é algo muito caro, e pergaminho
bom não se acha numa vila pacata como estas. Mas voltemos às pedrinhas,
desculpem o devaneio, eu estou muito velho e as mudanças me causam um pouquinho
de falta ao encaminhamento lógico das ideias.
Pegando cada uma das pedrinhas eu fiz um código e fiz
questão de colocar elas enfileiradas em cima de uma prancha natural, lá dentro
de uma gruta que hoje virou casa de um lobo bem maldoso... ou a mudança lhe
veio, e ele já moveu para as estrelas lupinas... Não sei, me perdoem novamente,
mas é que hoje eu posso escrever em pergaminhos e, isso tudo, me dá vontade de
gastar linhas e linhas de escrita... é um mal, desculpem. Retornemos às
pedrinhas: enfileiradas elas me indicavam mais do que apenas pedras de
diferentes formatos e cores numa linha reta; indicavam-me os meus pensamentos e
todos os dias eu ia atrás delas para ver se estavam no mesmo lugar do jeito que
eu deixei. E como ficavam? Simples! Eu pedia à estrela que estava me seguindo,
lá no céu que me vigiasse e às minhas pedras, para que assim, eu pudesse ajudar
a ser realizado o meu desejo do pergaminho e da tinta.
Um dia minha avó foi ver o que eu estava fazendo que não
tinha ido almoçar como era o habitual. Descobriu que era porque eu estava na
gruta tentando fazer com que as pedras se ajeitassem para o que eu queria
dizer, mas não tinham pedras suficientes para tudo aquilo. Ela ficou
estarrecida de ver minhas vinte e nove pedras em em fileiras, uma após as
outras. Perguntando-me sobre o que eu estava tramando, disse a ela que ali
estava escrito o meu pedido que apenas eu, e as estrelas, sabíamos o
significado e que, por ser minha avó, acabou ela sendo a terceira outra pessoa
a saber do meu querido desejo. Como restava uma palavra para uma última pedra,
minha avó me deu seu anel que tinha uma cor diferente e branca, de modo que
esta simbolizaria a palavra restante. Ela disse que isso também me faria
almoçar logo, ficar com a barriga cheia e que, agora, minhas pedras teriam um sentido
completo. Fiquei muito feliz e disse a ela para nós três entoarmos antes do
jantar, o meu pedido para a estrela. E assim aconteceu, na hora do jantar, não
sóela como também a minha mãe e meu pai, vieram para fazer o mesmo pedido.
Olá estrelinha. Meu
nome você já sabe. Diz para mim quando vamos nos encontrar novamente, pois sumiu,
não me apareceu nunca mais. Venha e seja a mudança da minha sorte.
Meu pai me perguntou prontamente por quê eu não queria
pedir diretamente por pergaminho e tinta. Eu respondi que antes de querer meu
desejo do pergaminho realizado que fosse sanada a saudade que eu tinha da minha
estrela de cada brilhante. Eles assentiram, e todos nós fomos dormir. Mas, devo
acrescentar uma coisa: tenho certeza que aquela última pedra branca do anel de
minha avó, estava brilhando muito mais do que o normal.
Naquela noite, fiquei olhando para as estrelas à espera de
que meu desejo se realizasse. Sabia que ela apareceria, ela com certeza veria o
meu esforço para tê-la de volta ali. Eu pedi várias e várias vezes, olhando o
azul escurecido do céu e a pedrinha branca sendo iluminada pelo luar. Esperei
calmamente até ver algo no céu. Fiquei um pouquinho tonto, os olhos caíram, as
estrelas que eram muitas se tornaram muitas mais e finalmente eu vi lá em cima
aquela linda estrela novamente. Desta vez estava tão feliz comigo, que deu até
duas piruetas, indo se perder numa distância sem terra e sem chão para
percorrer.
Olhando de novo para o céu já era dia. Eu estava muito
disposto, mas com um pouco de frio. Tomei meu chá e percebi que meus pais não
estavam em casa. Não me importei muito com isso porque minha avó me indagou
sobre a estrela e se ela tinha aparecido e eu, feito a ela o pedido dos
pergaminhos. Isso me entristeceu profundamente, pois eu não fiz o pedido a ela.
Ela me disse que novamente tudo se ajeitava, pois eu tinha sido um menino bom,
e atendi à uma mudança muito mais significativa. Disse ela que um dia quando eu
tivesse a tinta e os pergaminhos que tanto eu queria, eu compreenderia tudo.
Depois do almoço, ao sair de casa, me dirigi novamente à
pequena gruta. Ela estava mudada, minhas pedras não estavam mais lá! No lugar
de todo aquele cenário estavam as minhas lágrimas e uma alegria tão grande que
não guardei no peito. Comecei a saltitar procurando por ela e pelas pedrinhas
que não estavam mais enfileiradas nem em lugar algum. Via, no lugar delas, dois
frascos com tinta pretinha, três penas e quatro lindos rolos de pergaminho que
davam o meu tamanho em altura. Não conseguia me conter e agradecia a todo o tempo
a estrela que deveria estar sendo escondida pelo azul anil de um dia
ensolarado. Corri para casa, que alegria mostrar aos meus pais aquilo, mas eles
não estavam ainda lá. Só chegaram à noite dizendo que tinham uma coisa muito
importante para fazer.
Eu nunca soube o que fora isso, mas muito distante no
tempo, percebi que algo mágico aconteceu e foi devido a um desejo físico ter
dado lugar a um desejo mais profundo, que tudo pode ser realizado. Daí em
diante, mudanças não pararam de surgir em minha vida e, todas elas, estavam relacionadas
com os valores. Nada que fosse material teria maior valor do que meus atos ou
meus sentimentos, e, por tudo isso, eu cresci. Meu maior querer, era ver a
estrela de novo. Era maior do que qualquer outra coisa, pois ela nunca mais,
depois daquele dia, me apareceria. E por pedir que ela uma última vez
retornasse a mim, em vez de pedir pergaminhos e tinta, e ficar tão grato por
revê-la, esquecendo-me do objeto no qual, hoje, debruço meus calos a escrever, ganhei
o maior presente de todos. Uma lembrança, em meu coração, para todo o sempre.